OS "DEFICIENTES" PODEM SE TORNAR MAÇOM?
- Irmão Marcelo Artilheiro
- 19 de jun. de 2020
- 6 min de leitura
O presente texto tem por escopo apresentar resposta a uma questão formulada por um irmão e suscitar a reflexão sobre a interpretação a ser dada ao disposto no Artigo 27, inciso I, da Constituição do Grande Oriente do Brasil. Verbis:
Art. 27. A admissão de candidato na Ordem maçônica, disciplinada no Regulamento Geral da Federação, será decidida por deliberação de uma Loja regular, mediante votação. § 1º Para ser admitido, o candidato deverá satisfazer os seguintes requisitos:
I – ser do sexo masculino e maior de dezoito anos, ser hígido e ter aptidão para a prática dos atos de ritualística maçônica;
E as regras previstas no Livro das Constituições de Anderson datada de 1723, do qual se extrai a seguinte expressão/condição. Verbis: “The men made masons must be free-born, no bastard, and of mature age, and of good report, hale and sound, not deformed, or dismembered at the time of their making” (Os homens feitos maçons devem ter nascido livres, não bastardos, de idade madura, boa fama, saudáveis e sãos, não deformados ou amputados na altura da sua admissão).
A questão gira em torno da interpretação a ser conferida a tais "normas" e se a exigência ainda é cabível hodiernamente. Destaco, também, que o presente texto, não tem por escopo exaurir o tema e fixar regras ou transmutar-se em uma verdade absoluta, constituindo-se apenas uma reflexão não exauritente acerca do tema.
De início, convém destacar a evolução legislativa e do direito maçônico gobiano que não tolerou no texto constitucional as expressões "deformados", "amputados" e até mesmo "bastardos". Uma das melhores técnicas para se entender uma norma e compreender um texto normativo é verificar a sua motivação, mensagem ou exposição de motivos, bem como o momento histórico que ela foi elaborada.
Não há dúvidas que antigos conceitos, costumes e normas, mesmo as maçônicas tendem a serem rejeitadas pela consciência ético-jurídica do homem moderno e das nações civilizadas. Assim, é necessário reescrever tais conceitos com base na moderna ética maçônica que além de humanista e científica, encontra-se atrelada ao Amor, em outras palavras, a ética maçônica não impõe apenas o respeito, mas o dever de amar ao semelhante.
O valor da pessoa humana, do homem, deficiente ou não, decorre de uma conquista histórico-axiológica e repousa nos direitos fundamentais do homem. Assim o hiato entre o passado e presente é produzido pelo valor atribuído aos direitos humanos, muitos inexistentes no passado.
O argumento histórico (antigos costumes), no processo de interpretação de qualquer norma maçônica, não se reveste de natureza absoluta nem traduz fator preponderante na definição do sentido e do alcance das cláusulas inscritas no texto da Constituição Gobiana e das Constituição de Anderson. Esse método hermenêutico, contudo, revela-se como elemento de útil indagação das circunstâncias que motivaram a elaboração de determinado texto/norma inscrito nas Constituições (do GOB e de Anderson), permitindo o conhecimento das razões que levaram o legislador gobiano e Anderson a acolher ou a rejeitar as propostas submetidas a sua apreciação ou no caso de Anderson fazer constar em seu texto. Não há dúvidas que em 1723, os "aleijados", eram descriminados, muitos escondidos por suas famílias da sociedade, outros deixados a "deus dará", assim, além de deficientes, eram em regra, miseráveis financeiramente.
Esta regra impeditiva de "deficientes físicos" na Ordem repousa no fundamento histórico de que na maçonaria operativa não havia deficientes físicos, todavia, tal fato é mera lógica, como um tetraplégico iria construir um castelo? Assim como hoje, são poucos os "pedreiros" deficientes, porém, hoje, nossos trabalhos maçônicos possuem inequívoca natureza intelectual, de forma que a condição física do maçom não é, numa primeira análise, impeditiva de sua admissão. O templo "perfeito" que pretendemos construir não é contaminado, prejudicado ou maculado por questões físicas, mas sim por comportamentos morais e éticos. A perfeição na maçonaria não esta ligada somente ao físico, mas notadamente ao intangível e ao invisível. O templo que construirmos não é visto pelos olhos do corpo, mas do espírito.
Por isso, mostra-se indispensável a compreensão das circunstâncias históricas, sociológicas, religiosas e políticas do momento em que se "elaborou" a Constituição de Anderson. Não podemos esquecer que até mesmo grandes pensadores como Platão em seu livro “A República” e Aristóteles no livro “A Política”, ao trataram do planejamento das cidades gregas recomendaram que as pessoas nascidas com problemas deveriam ser eliminadas. Antes, tais pessoas eram consideradas "pecadoras", possuídas por demônios e etc. É oportuno destaca que somente em (1745-1826) Philippe Pinel surgiu com a ideia que as pessoas com perturbações mentais deviam ser tratadas como doentes, e não tidas como "endemoniadas", "malucas" e tradadas com violência e discriminação e que Louis Braille (1809- 1852) criou o sistema de escrita “BRAILLE” usado por pessoas cegas até os dias de hoje.
Legislativamente cabe destacar que nem toda deficiência se revela absolutamente incompatível com a "a prática dos atos de ritualística maçônica" ou caracteriza "deformidades" ou "amputações". Não se pode perder de vista o princípio da primazia da norma mais favorável, que constitui-se no critério que deve reger a interpretação, de formar tornar mais efetiva a proteção das pessoas, os direitos humanos e os valores maçônicos que informam o processo hermenêutico concernente à interpretação / aplicação das normas maçônicas.
Assim, é necessário recompor e reinterpretar as normas maçônicas relacionadas à diversidade humana e à igualdade de oportunidades, sendo sempre vedada qualquer ideia de discriminação.
A constituição gobiana ao dispor sobre os requisitos básicos para admissão na ordem, estabeleceu ainda que indiretamente, a compatibilidade entre a "deficiência", deformidade e amputações e a "aptidão para a prática dos atos de ritualística maçônica" como requisito admissão, pois ela não proibiu o ingresso do "deficiente", "amputado" ou "deformado", proíbe sim a admissão de qualquer pessoa sem "aptidão para a prática dos atos de ritualística maçônica", em outras palavras ela não fala "deformados", "deficientes" ou "amputados".
Por mera lógica, impõe-se ressaltar que a Constituição Gobiana não admite que o sujeito seja admitido na Ordem simplesmente por não ser portador de deficiência, amputado ou deformados, ele precisa comprovar a sua "aptidão para a prática dos atos de ritualística maçônica".
Por sua vez, também é incompatível com a Constituição Gobiana presumir que a deficiência, deformidade ou amputação de que o candidato seja portador acarrete absoluta inaptidão para a prática dos atos de ritualística maçônica. Em outras palavras, não é constitucional a admissão de candidato cuja "deficiência" o inabilite de modo absoluto para a ritualística maçônica, portanto, a Constituição autoriza que se identifique o tipo de deficiência, amputação ou deformidade e a compatibilize com a Ordem, esta é uma orientação acima de tudo ética.
Nesse sentido, trago a baila o conceito de deficiência física extraído do art. 4º, I, do Decreto n. 3.298/99, verbis:
I - deficiência física - alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, nanismo, membros com deformidade congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções; (Redação dada pelo Decreto nº 5.296, de 2004)
É preciso repudiar essa visão maçônica antiquada e fundada na ideia artificialmente construída, de que a simples alteração morfológica pode determina se um homem pode ou não ingressar na Ordem.
Antigamente, infelizmente, os aleijados ficavam a margem da sociedade, atualmente, são protagonistas: Cegos jogam futebol, amputados nadam, paraplégicos jogam basquete e por ai vai, o que não mudou foi o preconceito de muitos, o que me faz lembra a frase atribuída a Albert Einstein: "Triste época! É mais fácil desintegrar um átomo do que um preconceito."
Assim, cabe a cada Loja Maçônica e seus membros (irmãos) quando da análise do processo de Admissão de novos irmãos, exercer a sua atividade hermenêutica, de forma a tornar efetiva a reação da Maçonaria na prevenção e repressão aos atos de desprovidos de razoabilidade, constitucionalidade e Amor.
Assim, os "deficientes físicos", "deformados", "aleijados" ou "amputados" têm a prerrogativa e o direito subjetivo, como pessoas livres e iguais em dignidade e direitos, de postular e receber a igual proteção e tratamento das leis maçônicas, sendo inconstitucional, qualquer ato discriminatório e impeditivo de ingresso na Ordem cujo fundamento tenha como único argumento os "old Charges" e ou os "landmarks".
Ninguém tem o direito de impor ideias, formular prescrições normativas ou interpretações "ritualísticas" que provoquem, por efeito de seu conteúdo discriminatório, ainda que "justificável" sob o ponto de visto histórico, a exclusão jurídica de grupos minoritários (deficientes).
A boa hermenêutica, ética (fundada no Amor), emancipatória e construtiva deve invocar princípios fundamentais como os da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade, da autodeterminação, da não discriminação e da fraternidade (somos, "deficientes" ou não, todos irmãos, perante o Criador) para viabilizar a plena e irrestrita realização dos valores da fraternidade, da liberdade e da igualdade que representam fundamentos essenciais à configuração de uma instituição verdadeiramente fraterna, iniciática, progressista, científica, humanista e solidária.
A Verdadeira Fraternidade (Maçonaria) não coabita com práticas discriminatórias, não convive com ações atentatórias a dignidade do homem (deficiente ou não), não incentiva ou permite comportamentos preconceituosos, motivados por impulsos irracionais, "puritanos" e históricos, pois tais atos se traduzem na antítese da ideia do respeito à igualdade e ofende de modo frontal valores mínimos de civilidade e próprio significado da noção da busca da verdade e do aperfeiçoamento do homem.
A maçonaria é uma escola que não ensina apenas a como ser perfeito, mas também a como tornar-se digno da perfeição.
OBS.: Texto sem revisão.
C.A.M. e T∴F∴A∴
Ir.´. Marcelo Artilheiro
Joinville (SC), 19 junho de 2020

Meu irmão, excelente conteúdo! Concordo que a inaptidão para a vida maçônica, atualmente, é moral. À Maçonaria especulativa ou filosófica deve buscar adaptar-se às vida moderna e, mesmo que um cadeirante precise acessar o Oriente, uma rampa resolveria.
Parabéns!!!
Excelente texto, mas a conclusão não ficou clara. Um cadeirante pode ser maçom? Ele não conseguirá sozinho subir no Oriente, pois é sempre escada, o que poderia taxa-lo de incapaz de executar as ritualísticas.